Autor: Vicente Pimenta
A urgência da “descarbonização” dos combustíveis parece não surpreender ninguém mais. Porém, não pode ser obtida a qualquer custo. A solução deve ser a menos impactante possível na vida das pessoas (custo) e eficiente na questão da preservação dos recursos naturais ou dos empregos – além de tantos outros aspectos que nem sempre são lembrados.
Uma das soluções para os compromissos climáticos do país; o biodiesel, como todos sabem, não é apenas um biocombustível. Ele traz, em cada litro, uma série de benefícios econômicos e socioambientais intrínsecos. Apesar disso, precisa primeiramente ser capaz de desempenhar bem, gerando a potência devida, não aumentando a poluição e, ao mesmo tempo, baixando as emissões de gases causadores do efeito estufa. Ocorre que, apesar de cumprir bem seu destino “descarbonizador”, uma nuvem gerada pelo desconhecimento começou a pairar sobre nossas cabeças.
O biodiesel tem certos metais em sua composição (Na+K, Ca+Mg e P) que são apontados como “envenenadores” dos catalisadores dos veículos. Como a porcentagem de biodiesel presente no diesel brasileiro é maior do que na Europa, surgiram dúvidas sobre a capacidade dos veículos brasileiros cumprirem a legislação.
Explico: apesar de os veículos terem seus perfis de emissões homologados antes de serem liberados para venda, a legislação exige que eles continuem atendendo às emissões por um longo período (no caso mais rigoroso previsto na Lei, 700.000 km).
Trata-se da Resolução Conama 490/2018 que começou a valer em 01 de janeiro de 2023. Essa legislação foi baseada na europeia, onde a quantidade de biodiesel é menor do que no Brasil. Como a Lei começou a valer apenas nesse ano, os veículos têm baixa quilometragem e ninguém sabe ao certo se os já comercializados, usando um combustível diferente, vão conseguir funcionar sem comprometer o catalisador antes do tempo e não cumprir a legislação. Essa era a questão que se colocava e para a qual, ninguém tinha uma resposta.
Um parêntesis importante se faz necessário: a Abiove, de modo pioneiro, lançou em 2020 o selo de qualidade Bio+. As usinas que obtiveram o selo tiveram de cumprir (como condição para recebimento) uma redução voluntária dos mesmos metais (40% menos) com vistas justamente a preservar os catalisadores dos veículos P8, que ainda viriam, de eventuais efeitos adversos do biodiesel. Posteriormente, a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) editou a Resolução 920/2023 com reduções para esses metais. Mesmo assim, o verdadeiro resultado nos catalisadores permanecia desconhecido e os limites, de forma voluntária ou obrigatória, foram ajustados de modo preventivo.
Mas um passo importante para lançar luzes sobre essa questão foi dado. No evento sobre Eficiência Energética, Emissões e Combustíveis realizado pela Associação Brasileira de Engenharia Automotiva (AEA) em São Paulo (SP) houve a apresentação do engenheiro Gustavo Teixeira, da Fiat Power Train - FPT.
Para poupar os leitores de muito tecnicismo, resumo para vocês que foram usados alguns motores de diferentes volumes da empresa (pequenos, médios e grandes) e combustível B20 (para se ter margem para utilização do resultado caso a proporção de biodiesel cresça no Brasil) em ensaio que simula os 700.000 km exigidos pela lei.
Com relação aos metais que poderiam causar a falha, a opção do engenheiro foi utilizar o combustível que ele tinha como representativo do mercado. Nota: o teste foi realizado antes de a ANP reduzir o teor. E o resultado foi bastante impactante: as emissões após a realização do teste ficaram dentro do requerido pela legislação para todos os motores. Em outras palavras, as emissões atenderam os 700.000 km. E mais: sem necessidade de modificações no pacote de catalisadores ou no veículo. O engenheiro frisou que continua sendo imprescindível que boas práticas sejam aplicadas para preservar a qualidade que sai de fábrica do combustível.
Sobre o “envenenamento” do catalisador, fim de questão: não ocorre!
Antes desse teste, alguns catastrofistas alertavam para a tragédia na saúde pública já que os catalisadores, inutilizados pelo biodiesel, fariam o veículo ficar pior do que os de geração anteriores. Se estivesse vivo, o jornalista Joelmir Beting diria: “Mais uma vez o fim do mundo foi adiado!”. O aumento progressivo do teor de biodiesel continuará descarbonizando o planeta, gerando emprego e renda, os agricultores familiares continuarão obtendo receita e a dependência do diesel importado cairá sem o risco de que a qualidade do ar que respiramos possa ser molestada por equipamentos que “não foram projetados para isso”.
Essa verificação já foi feita e foi conclusiva.
Boa notícia! Mais um desafio superado! Vicente Pimenta – Consultor Técnico da Abiove e da Actioil do Brasil.
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